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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

BENDITA CACHAÇA

A superstição está desde sempre conectada às regras não escritas de um torcedor de futebol. Uma das minhas lembranças mais antigas é a final da Libertadores de 1980. Eu tinha dez anos e sabia que o Inter disputava algo realmente importante. Não imagino como as supertsições começam na mente de uma criança. Não sei quando elas deixam de ser tendências para se transformarem em obsessão. Quando minha mãe esperava meu irmão mais novo eu andava com a mão na barriga o tempo todo pois achava que ela, a barriga, poderia explodir, me deram uma paratequieto me levando numa benzedeira. Eu não lembro.

Mas da final de 1980 eu lembro. Lembro da transmissão da TV uruguaia em preto e brnaco. Do Celestino Valenzuela com seus "que laaaaance" a la Jabulani do Cid Moreira. E lembro que eu assisti a partida fazendo figa com os dedos das mãos e dos pés. Certamente hoje em dia se eu fizer figa com os dedos dos pés vou chegar no intervalo me contorcendo de cãimbras no chão. Em 1980, não. Assim como não sentia dor, as figas também não adiantaram.

Com o tempo as mandingas foram se diluindo tanto que para mim passavam quase imperceptíveis. Deixar de aparar a barba quando o time está bem no campeonato. Não cortar o cabelo. Deixar o volume do som da televisão sempre na mesma altura. Assistir aos jogos no estádio sempre no mesmo lugar. Comprar a mesma marca de cerveja. Colocar sempre as mesmas cuecas. A mesma camiseta. As alternativas são intermináveis. Obviamente nenhuma faz sentido e, geralmente, são utilizadas só em momentos de desespero e porque eu não posso jogar no lugar do Nei.

Nos últimos anos tive dois momentos distintos, ambos de alegria, um de desespero e outro de puro deboche. Em 2007, jogo de volta da Recopa, o Inter tinha perdido no México para o Pachuca e precisava vencer em casa. Primeiro tempo. 1x0 Inter. Assisto de pé colado no arame farpado da Inferior. No intervalo volto e me ajeito perto da 12, colado no arame. Um sujeito enlouquecido da canha começa a conversar comigo junto a mais um magrão com a camiseta do Independiente. Lá pelas tantas aviso que vou buscar cerveja. Os caras vendo que eu era de fé largaram dinheiro pra que eu pegasse pra eles. Quando estou voltando, Inter 2x0. Maior festa entre os malucos, que agora eram três ou quatro. Quando acaba a ceva, els não têm nem dúvida. Me largam mais dinheiro que antes. No balcão, gol do Inter. 3x0. Quando chego com a cerveja é um banho pra todo o lado. Desde aquele momento ficou confirmado que eu trazia a "cerveja da sorte". Tanto foi que quando fui pegar mais, saiu o quarto gol. Todos queriam que eu fosse buscar cerveja pra dar sorte. Eu só vi o primeiro dos 4x0. Sai do estádio tão bêbado quanto feliz. Nunca bebi tanto sem pagar nada.

Em 2008, no auge do desespero, vendo tudo ir por água abaixo na final da Sul-Americana contra o Estudiantes, abandonei meus amigos e parcerias de torcida e decidi, no intervalo da prorrogação, que o Inter só venceria se eu fosse para o lado da goleira do placar. Lógica? Nenhuma. Me aninhei perto da bandeirinha de escanteio das sociais e por lá fiquei intermináveis dez minutos até que D'Alessandro cobrou o escanteio que na refrega dentro da área terminou nos pés de Nilmar. Cheguei a perder o ar na comemoração. Não desejo a  nenhum torcedor do mundo que a final de um campeonato vá para a prorrogação. Assim como não desejo a nenhum colorado depender de superstições.

Não que superstição garanta algo. Não garante nada. Conheço um cara que tava numa maré de sorte pra pegar gostosa. Era aparecer uma gostosa na frente que ele papava. Só que tinha um porém. Significativo porém. Entre uma gostosa e outra ele tinha que pegar um tribufu. Um Fenemê de porta aberta. E ele pegava. Dava sorte. Dava tanta sorte que ele decidiu casar com uma feiosa pra continuar pegando gostosas pela frente. Se deu mal. Nunca mais pegou uma gostosa. Inclusive, hoje em dia, ele diz amar o diabo da Tasmânia. A superstição, como diz aquele comentarista esportivo na TV, deve ser "pontual".

Quarta, final da Libertadores, sete e meia da noite. A torcida colorada cantando no Lucas em frente ao Beira-Rio enquanto passava na TV o ônibus dos jogadores colorado se dirigindo ao estádio. Eu, puto da cara, indignado com o fim das garrafas. Por questões de segurança, FIFA, Copa de 14, Brigada Militar, tá ligado? Cinco reais o latão. E eu ali, atucanado, batendo papo, mas sério. Isso daí não tá certo. Só latão? Sem garrafa? A pulga do azar me coçando embaixo do meu boné da Umbro. Tanto que um colorado que veio de São Paulo só pra torcer pro Inter do outro lado da rua, pois não tinha conseguido ingresso, me disse que eu tava muito sério pra quem queria comemorar um título. Estava.

Até aparecer a garçonete da caipirinha. Cinco reais um copão de caipa. De vodca, dizia ela. Muitos copos num bandejão. Aquele copo era o que faltava. Era a saída da noite. Não teria escalação estapafúrdia que me impedisse de ser campeão agora. Não tinha superstição que ultrapassasse a visão daquela bandeja luminosa de catcha. Todos notaram minha mudança. Eu finlamente tinha certeza. Seríamos campeões. de algum modo estava escrito nas enntrelinhas líquidas entre o cubos de gelo deformados. Entrei no estádio com um sorriso esgamelado.

Considerando o primeiro tempo como definido e controlando a bexiga desde os 15 minutos, não segurei mais e fui ao banheiro. Silêncio. Só um carinha assoviando Creedence e o fedor de urina infestavam minha mente. No caminho parei pra comprar uma daquelas coisa nojentas que eles chamam de cerveja sem álcool. Eu chamo de placebo. Foi com o placebo na mão que voltei a tempo de ver os jogadores do Chivas se abraçando. Durante o intervalo, sorvendo o meu paliativo e o outro que eu trouxe e quase ninguém bicou, fui tomado pelo capeta da caipa, que resolveu bater quase duas horas depois. Atônitos colorados cabisbaixos tiveram que me aturar berrando que a conta tava fechada e que ia ser 3x1 pra nós. Eles não sabiam. Eu sabia! Na entrada do time dei um banho de Bavária sem tonturinha na minha volta. Os bons tempos voltaram. Aquela era a minha mandinga. Não tinha esquema tático. Não tinha Bautista. Arrancada de Damião. Kleber. Bico da chuteira do Sóbis. Que nada! Nós ganhamos a Libertadores naquela caipirinha salvadora que eu bebi no Lucas.

Bendita cachaça!

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