Leia e divulgue! Envie email para o blog: celeirodefrases@gmail.com

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

KIDIABA - A BUNDA ETERNA

Em uma ensolarada tarde de terça-feira de dezembro uma sombra escureceu
o sol que ilumina os colorados. Em uma semifinal do Mundial de Clubes,
o Internacional adentrou o campo, confiante, seus jogadores exultantes dentro
de um uniforme com camisetas no melhor estilo mamãe-sou-forte.
Quase quatro meses antes conquistava pela segunda vez a Copa Libertadores
de América e e comemorava a chance de disputar mais uma vez o título
de campeão do mundo que conquistara em 2006. O time em campo era praticamente
o mesmo de agosto, com as substituições de Sandro pelo "espetacular" Mathias e
"aquele rapazinho veloz da ponta", nas palavras de Rafa Benitez, treinador da Inter de Milão
pelo dublê de modelo Rafael Sóbis.

O adversário era o desconhecido Mazembe, o qual o Inter se orgulhava de ter em mãos
um dossiê onde constavam todos os dados sobre o time africano.
O Mazembe tinha desclassificado o conhecido e favorito Pachuca em uma partida em
que os mexicanos chegaram a dominar a partida mas perderam em uma escapada.
Uma cruel escapada, um toque a la Ronaldinho Gaúcho e o gol dos congoleses no
contrapé do goleiro azteca. Após o gol a TV exibia algo jamais visto, nem mesmo no Brasil.
O goleiro Kidiaba fazia caretas e movimentos pra frente com os braços enquanto
pulava de bunda no chão. Eu assistia para observar quem seria o adversário do Inter, claro.
Achei o jogo fraco, os dois times fracos, o Pachuca parecia dormir em campo,
enquanto os africanos não eram lá muito vidrados na marcação mas corriam feito onze
Taisons em direção ao gol adversário. Me lembrei das palavras do quase demitido
treinador Benitez da Inter. "Aquele rapazinho veloz lá da frente..." Aquele rapazinho veloz
lá da frente que foi revivido por Celso Roth tinha sido vendido para o poderoso Metallist da Ucrânia.
Aquele rapaz tantas vezes criticado pela torcida colorada por ser relapso e desligado
era uma peça sem substituição no Beira-Rio. A direção colorada preferiu, como quase sempre,
repatriar um brasileiro do Oriente Médio ou de algum time mediano da Europa. Desde Fernandão
a direção colorada insiste na mesma tecla. Repatriar refugos do exterior para recuperá-los
no Beira-Rio.

Não deu certo. Sóbis voltou uma lêndia, como quase todos que jogam nas arábias.
Vivia lesionado. Tinga, idem. O Brasileirão de arrastando e o Inter arrastando dez, quinze mil torcedores
para assistir amistosos durante quatro longos meses. Tudo em nome do Mundial.
Em nome da eterna guerra de títulos com o rival. tudo em nome do marketing. Do nome
do clube no exterior. Da conquista de novos mercados. Os torcedores, os que torcem por futebol,
tinham que se contentar em assistir jogos melhores pela TV na Copa RS, onde jovens talentos
debulhavam times do interior gaúcho. Enquanto isso, nos profissionais, tudo se desenrolava
como em um colônia de férias em Nova Tramandaí: modorrento, tedioso e inodoro.
As águas da lagoa batendo nos pés cansados de nossos heróis.

Pois chegou o tal dia. Da estreia no Mundial. Terminados os cumprimentos, deu-se início à partida.
O Internacional pressionou meia-boca e o time africano, uruguaimente deu campo ao Inter.
Parecia um jogo de Gauchão. O time do interior esperando a hora certa do contra-ataque.
Se a TV mostrasse o Cláudio Duarte sentado no banco de reservas eu não me espantaria.
Até comentei. Esse Mazembe tá no pega-ratão. E o ratão éramos nós. O Inter não avançava
porque nosso mentor-mor, o desbigodado Roth, decidira jogar com o time menos avançado.
Sóbis fazendo a função de aranha bêbada e Alecsandro a de pivô de dentadura de pobre:
balançando pelo meio da área. Guiñazu e Mathias tentavam chegar e D'Alessandro, depois de
tomar uma cartela de Rivotril, caminhava nas ruas de La Paternal de mãos dadas com o fantasma
de Francescoli. O Inter caminhava abençoado para as penalidades.

Até que em um lance na entrada da área, Índio demonstrou porque sempre acreditamos
que ele deveria se aposentar, ganhar uma medalha, uma estátua, e se divertir com taças de vinho
e pufes. Eles, nem vou procurar o nome de quem fez o primeiro, prefiro ignorar, meteu na orelha
de Renan, penteando sua careca e nos deixando apatetados em frente a tela da TV.
Kidiaba, enquanto isso, penteava os pentelhos do cu na viçosa grama de Abu-Dhabi. Era a primeira.
Roth, em um retorno ao seu passado entreguista, tentou jogar o time nos pés da gurizada.
Não adiantava mais. o Inter avançou, apertou, Kidiaba defendeu todas. A bola parecia atraída
por suas mãos. A bola mirava as mãos de Kidiaba. A bola estava enfeitiçada por suas mãos
abençoadas na reza dentro do gol congolês. Ela não entraria. Não no gol dele.
Sim no de Renan. Outro atacante africano entortou a coluna de Guiñazu, que até agora
procura a bola, e chutou fora do alcance dos braços de crocodilo de nosso adorado goleiro.
Era a atolada final. Kidiaba pululava na grama do estádio.

Kidiaba pulula em frente as câmeras no final do jogo. Seu esfregamento de bunda ao vivo para o mundo
todo ver, como adora o marketing colorado, era um escárnio em todo o rol de planejamento e
primeiro-mundismo de nossa direção. Kidiaba esfregava a bunda nas arquibancadas do Beira-Rio.
Narradores com um pouco mais de humor sarcástico diriam que Kidiaba esfregava a bunda na
nossa cara de idiotas em frente à TV. Kidiaba e sua bunda pululam em nossos pesadelos. Kidiaba
pulula em nossos delírios mais exasperadores. Kidiaba esfrega sua bunda negra e africana em nossa
cara arrogante de clube com mais de cem mil sócios. Kidiaba esculacha dossiês.
Kidiaba limpa a bunda com dossiês. Roth disse que "futebol é assim mesmo".
Só se é lá onde ele mora. Se lá os adversários aparam o bigode da cara dele com a bunda.
Kidiaba esfregando a bunda na grama era como se dizesse: Caguei. Andei. Caguei. Andei.
O Mazembe e Kidiaba cagaram e andaram para nosso pragmatismo. O peso de toda a África
desabou sobre as arquibancadas do Beira-Rio. A câmera sai de Kidiaba e mostra Rafa Benitez
e ele sorri. Sorri como nunca sorriu nos meses em que comanda a Inter. Em algum lugar na distante
Ucrânia um rapaz veloz deveria estar assistindo o jogo e lamentando. Kidiaba esfregava a bunda
em todos os setores do profissionalismo colorado. Kidiaba eclipsava o dia ensolarado e agradável
em Porto Alegre.

Certo dia, Muricy Ramalho, em meio a resmungos e lamúrios pela mulher e filho distantes, lascou uma frase hoje histórica: A bola pune. A bola encontra várias formas de punir. Seja rebaixando times que operam fora das quatro linhas para vencer, seja condenando ao limbo equipes que vangloriam carrinhos em placas de publicidade. Kidiaba não conhece a máxima de Muricy. Kidiaba foi apenas um instrumento de punição da bola. No interior da Ucrânia uma luz iluminava o céu. Era a bola mostrando seu caminho de justiça. Aquele rapaz que corre muito lá na ponta sumia entre nuvens dissipando nossos sonhos. Rápido. A bola sedenta de justiça procurava as mãos de Kidiaba. Um homem, Fernando Carvalho, caminhava cabisbaixo. A bola esfregava a bunda do destino em sua cara. A nós, torcedores, resta o deserto do abandono. No deserto seguimos a bola. Somente ela. Ninguém mais. Os homens se vão. A bola, tal qual uma bunda que pulula, é eterna.